CAMOCIM CEARÁ

Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra; Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos; Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia; Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus; Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus; Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus; Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa.(Mt.5)

quinta-feira, 19 de julho de 2012

VISÕES DO PURGATÓRIO - DANTE 18

Canto XVII

Visões da Ira - Anjo da Mansidão - Subida para a quarta cornija - Explicação da justiça do Purgatório

Recorda, leitor, se alguma vez estiveste em meio a uma névoa densa na hora em que as brumas começam a se dissolver, como a esfera pálida do Sol, aos poucos, se torna visível. Poderás assim formar a imagem exata do momento em que voltei a encontrar o Sol, que naquela hora estava a se por.
Mas, quando deixamos aquela nuvem de fumaça, meus sentidos outra vez se perderam numa visão. A imagem mostrava Procne, que fora transformada em andorinha, por causa de sua ira cruel. Depois surgiu, na minha imaginação, um homem enforcado e furioso. Em sua volta estava o grande Assuero, sua esposa Ester e o justo Mordecai. Mas essa imagem também se esvaiu como uma bolha estourada, e veio outra, onde uma jovem chorava, dizendo:
- Ó rainha, por que quisesse que a ira te reduzisse a nada? Tiraste tua vida para não perder Lavínia mas agora me perdeste, pois eu sou ela que choro pela tua ruína.
Pouco depois, eu fui acordado por uma luz brilhante. Olhando em volta para saber de onde vinha, ouvi a voz:
- Aqui é a subida.
- Este é um divino espírito - disse-me Virgílio -, oculto na própria luz. Ele veio mostrar-nos o caminho. Aquele que espera que se peça quando vê que é preciso, mostra que não está mesmo disposto. Vamos, então, obedecer à sua chamada e subir antes que o dia acabe, pois se não o fizermos, só poderemos continuar quando o Sol retornar.
Nós dois então começamos a subida das escadas. Quando eu pus o pé no primeiro degrau, senti uma asa mover-se na minha frente e dizer: "Bem-aventurados são os mansos, que não conhecem a ira maligna."
Sobre nós, estavam os últimos raios do Sol. A noite se aproximava enquanto que as estrelas, aos poucos, iam surgindo.
- Ó forças minhas, por que razão te esvais? - dizia eu a mim mesmo ao sentir que as forças fugiam das minhas pernas. Tínhamos acabado de chegar ao último batente. Se houvesse mais batentes, não poderíamos subir nem um degrau, pois não tínhamos mais forças. Eu esperei um pouco tentando ouvir algo neste novo terraço, mas depois voltei-me ao mestre, e perguntei:
- Ó doce pai, dize-me, qual a ofensa que é purgada dos pecadores desta cornija?
- O amor ao bem - respondeu - que eles tiveram sem a força devida, aqui se restaura. É aqui que trabalha o preguiçoso. Mas, para melhor entenderes, presta atenção ao que vou te explicar, para que tires o melhor proveito deste nosso atraso.
Ele então começou seu discurso:
- Jamais existiram criador nem criaturas sem amor natural ou sem o amor racional que o ânimo busca. O natural nunca erra. O outro poderá errar, ao escolher mal o objeto de seu amor, por excesso, ou por falta de vigor. O amor que se fixa no bem supremo, ou nos bens secundários com moderação, não pode ser causa de mal. Mas quando pende ao mal ou busca o amor com mais ou menos força do que se deve, emprega a sua criação contra o criador. E assim, poderás entender como o amor é ao mesmo tempo a semente de toda virtude e de todo ato que merece punição. Como o amor nunca pode querer mal a si próprio, nem pode querer mal àquele que o criou, o mal que se ama é o mal a seu próximo, e este se divide em três modos: os primeiros só admitem a própria glória, mesmo que isto signifique a ruína do próximo (orgulhosos); depois há os que preocupam-se com a possibilidade do outro crescer e acumular mais fama e poder que eles (invejosos); finalmente, existem aqueles que, por injúria sofrida, explodem em ira, e só pensam em revidar o mal causado (iracundos). Esses três tipos de amor pervertido vistes sendo purgados lá embaixo. Agora, veremos os que buscam o bem, mas de modo faltoso. Cada um imagina vagamente, algum bem que deseja, e se deixa levar pelo desejo de encontrá-lo. Se o amor que vos impele a essa meta é lento e preguiçoso, é nesta cornija que vós o expiarás. Há outro bem que não traz felicidade, pois não vem da boa essência que é fruto e raiz de todo o bem verdadeiro. O amor que perde ao tender a esse bem em excesso é purgado acima, nos próximos três terraços. Não falarei deles agora. Tu os descobrirás quando lá chegarmos.
 

Canto XVIII

Quarta cornija - Os preguiçosos
Discurso sobre o livre arbítrio

Depois de terminar o seu discurso, o grande mestre agora me olhava, procurando saber se eu estava satisfeito com a sua explicação. E eu já desejava fazer-lhes novas perguntas, mas então pensei: "Será que essas minhas perguntas sem fim o aborrecem?". Não pude alimentar mais tal pensamento, pois Virgílio logo percebeu como eu me sentia e me incentivou a falar. Então eu perguntei:
- Mestre a tua explicação me foi muito clara, mas te peço que me definas o que é esse amor, que defendes como sendo a fonte de todo o correto agir e o seu oposto.
- Então presta atenção - respondeu-me - e terás esclarecido o erro dos cegos que decidem ser guias. A alma, que é criada com capacidade de amar, move-se para o que lhe dá prazer. Vossos sentidos extraem do mundo real uma imagem que é exibida internamente. É esta imagem que atrai a alma. E se ela é atraída, à imagem então se inclina, e esta inclinação é o amor, que faz parte de vossa natureza. E assim como o fogo se move para as alturas, buscando a sua própria natureza, da mesma forma vossa alma busca a coisa amada e não descansa até encontrá-la e dela usufruir. Podes agora entender como estão enganados aqueles que acham que qualquer amor é, em si, coisa louvável. Talvez assim pensem por acharem que sua essência é sempre boa, mas nem todo selo é bom, ainda que boa seja a sua cera.
- Teu discurso me esclareceu muitas dúvidas - respondi-lhe - mas ao mesmo tempo acrescentou outras. Se o amor vem de uma fonte externa, a alma não pode ter culpa em aceitá-lo e não pode ser, por essa razão, julgada culpada em segui-lo.
- Eu só posso te explicar aquilo que minha razão puder compreender - respondeu Virgílio -. Além da razão, terás que buscar o auxílio de Beatriz, pois se trata de obra da fé. Toda essência, esteja ela ligada ou não à matéria, tem a sua própria virtude, que não é percebida a não ser por seus efeitos, como o verde de uma planta revela-nos a sua essência viva. Não é, portanto, possível saber a origem das vossas inclinações ou do vosso instinto. Esses desejos inatos não são, portanto, nem condenáveis nem louváveis. Mas, para manter vossos instintos sob controle, tens uma virtude inata que, munida da razão, vos aconselha. É neste princípio que repousa o vosso poder de julgamento, que é capaz de rejeitar o mau amor e acolher o bom. Aqueles que, através do raciocínio, investigaram este assunto profundamente, perceberam essa liberdade inata e a partir dela, deixaram suas doutrinas morais e éticas no mundo. Então, posto que por necessidade surja em vós qualquer amor, em vós também está o poder de dominá-lo. Essa é a nobre virtude que Beatriz entende por livre arbítrio. Lembra-te disto quando tu a encontrares.
Pela posição da Lua minguante, deduzi que já era quase meia-noite. Eu, feliz por ter recebido respostas tão claras à minhas perguntas, deixei que meus pensamentos vagassem. Mas não durou muito esse estado de sono, pois logo surgiu um grupo de almas correndo, lideradas por duas que gritavam:
- Maria correu apressada à montanha! - gritou a primeira - César, para subjugar Ilerda, deixou Marselha e correu à Espanha - gritou a segunda. E os demais, correndo atrás, gritavam em seguida: - Depressa, depressa, que não se perca tempo por pouco amor!
- Ó gente que com agudo fervor agora compensais, talvez, vossa antiga negligência e preguiça, mostrai-nos o caminho para que este homem que vive possa subir quando o dia chegar.
Tais foram as palavras do meu guia. Respondeu-lhe um daqueles espíritos:
- Segue atrás de nós e encontrarás o caminho. O nosso empenho em continuar nos impede que paremos, portanto, nos perdoa se o nosso dever te parecer descortês. Eu fui abade de São Zeno em Verona, sob o império do bom Barbarossa, que Milão ainda lamenta. Lá há um homem com um pé na cova, que em breve irá lamentar o poder que teve sobre o mosteiro, pois seu filho, mal nascido, mal da mente e do corpo, lá ocupará o lugar do pastor verdadeiro.FONTE:Stelle.com

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