CAMOCIM CEARÁ

Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra; Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos; Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia; Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus; Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus; Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus; Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa.(Mt.5)

segunda-feira, 1 de julho de 2013

DIDÁTICA E EPISTEMOLOGIA PARTE 3

Nessa idéia encontra-se a noção de obstáculos epistemológicos, que são entraves
que aparecem no ato de conhecer, decorrentes principalmente do conhecimento comum.
Conforme Santos:
Dizem respeito a aspectos intuitivos, imediatos e sensíveis, a experiências iniciais, a
relações imaginárias, a conhecimentos gerais, unitários e pragmáticos, a perspectivas
filosóficas empiristas, realistas, substancialistas e animistas, a interesses, hábitos e opiniões
de base afetiva, etc. (...) Embora entravem o progresso do saber objetivo, constituem um
desafio a esse mesmo progresso (2005, p. 121).
Pode-se dizer, acompanhando Santos, que para Bachelard, a atividade de
aprendizagem na escola é, sobretudo, atividade intelectual, em que se privilegiam ações
mentais que se desenvolvem ao nível do pensamento. Por isso, ele dedica atenção aos
conteúdos e sua estruturação, de modo que a forma e o conhecimento são indissociáveis.
Escreve sobre isso Santos:
(Bachelard) considera que cada domínio conceitual tem a sua racionalidade específica, não
podendo a racionalidade de um domínio transitar diretamente para a racionalidade de outro
domínio. É nesse contexto que se pode inserir o conceito de “perfil epistemológico” na
pedagogia, instrumento pedagógico precioso para os professores interessados na evolução
da racionalidade do aluno para cada conceito. (...) Note-se que, admitindo que a ontogênese
tende a recapitular a filogênese (como Bachelard parece admitir), uma reflexão sobre os
perfis epistemológicos (da ciência) relativos a conceitos básicos a serem aprendidos, parecenos
ter um papel heurístico crucial na descoberta dos perfis epistemológicos dos alunos (Ib.
p. 41).
Lopes (2007) também apresenta um primoroso estudo sobre a aplicação da
epistemologia de Bachelard ao ensino, dando destaque à noção de obstáculos
epistemológicos, decorrentes do conhecimento imediato, de senso comum, os quais
precisam ser superados para se aceder ao conhecimento científico. Escreve Lopes:
Na medida em que o real científico se diferencia do real dado, o conhecimento comum,
fundamentado no real dado, no empirismo das primeiras impressões, é contraditório com o
conhecimento científico. (...) É nesse sentido que o conhecimento comum acaba por se
constituir em um obstáculo epistemológico ao conhecimento científico.(Lopes, 2007, p.44).
(Na ciência), é preciso ultrapassar as aparências, pois o aparente é sempre fonte de enganos,
de erros, e o conhecimento científico se estrutura por intermédio da superação desses erros,
em um constante processo de ruptura com o que se pensava conhecido. (...) é essencialmente
a partir do rompimento com esse conhecimento comum que se constitui o conhecimento
científico (Ib., p.41).
Vê-se por esse entendimento que a apreensão do real é um caminho feito pelo
pensamento, “a realidade do mundo está sempre para ser retomada sob a responsabilidade
da razão”, pois a análise dos obstáculos epistemológicos necessita do pensamento científico
abstrato; permanecer na experiência imediata é um obstáculo ao desenvolvimento da
abstração. Lopes cita frase de Bachelard: “o pensamento abstrato não é sinônimo de má
consciência científica (...) a abstração desembaraça o espírito, ela o alivia e o dinamiza”
(Ib., p.44).
Na visão de Bachelard, aprender é modificar nosso modo habitual de pensar, romper
com ele, e isso depende do aprendizado científico. O professor precisa saber quais são esses
conhecimentos de senso comum, para identificar e superar os obstáculos epistemológicos
que eles provocam. A aprendizagem, portanto, deve se dar contra um conhecimento
anterior, a partir da desconstrução desse conhecimento. Sabendo quais são os conceitos
prévios dos alunos sobre um assunto, o professor ajuda a questioná-los, tendo por base o
8
conhecimento científico. Mas não se trata de reproduzir o conhecimento científico para o
aluno, isto é, não é suficiente que o aluno receba do professor os resultados da ciência que
está sendo ensinada. Nas palavras do próprio Bachelard:
Sem dúvida, seria mais simples não ensinar senão o resultado. Mas o ensino dos resultados
da ciência não é jamais um ensino científico. Se não se explicita a linha de produção
espiritual que conduziu ao resultado, pode-se estar certo de que o aluno combinará o
resultado com suas imagens mais familiares. É necessário que ele ‘compreenda’. Não se
pode reter sem compreender. Pois, se não lhe foram dadas razões, ele acrescenta ao
resultado razões pessoais (Bachelard, apud Lopes, 2007, p. 63).
Isso significa, no entendimento de Lopes, que a reconstrução do conceito implica
recuperar a história do progresso da ciência ensinada no processo de resolução de
problemas científicos. Mas não se trata meramente de um relato histórico, mas da história
da “tessitura epistemológica das teorias científicas”, ou seja, “das lutas entre idéias e fatos
que constituíram o progresso do conhecimento” (Ib., pp. 64, 65). Pode-se entender daí que
aprender ciência é apreender sua construção teórica, ou seja, o modo de construção do
objeto da ciência por meio do seu desenvolvimento histórico.
Em síntese, a superação dos obstáculos epistemológicos requer, precisamente, a
vigilância epistemológica, isto é, assegurar o uso adequado das regras do próprio
conhecimento científico, ou seja, a epistemologia da ciência. Transpondo para o ensino,
onde se dá também uma relação com os objetos de conhecimento, a vigilância
epistemológica supõe a consideração dos obstáculos epistemológicos na aprendizagem, que
podem estar associados à metodologia de ensino e aos próprios processos cognitivos dos
alunos. Dessa forma, conforme conclui Lopes, a falta de análise epistemológica do que se
ensina reforça os obstáculos epistemológicos e, com isso, o conhecimento científico fica
comprometido. Mas também implica uma análise dos obstáculos epistemológicos presentes
no conhecimento comum, captando as concepções dos alunos em relação a esse
conhecimento comum, cotidiano. (Ib., p. 53).
A teoria de ensino deDavidov
Vasili Davídov, na tradição da teoria histórico-cultural, propôs uma teoria do
ensino, denominada ensino desenvolvimental, que é o ensino que promove e amplia o
desenvolvimento mental e o desenvolvimento da personalidade. Uma síntese dessa teoria
será apresentada a seguir.
3. A teoria do ensino desenvolvimental
Com base em investigação, Davidov constata o caráter empírico da didática
tradicional, pelo qual se ensina ao aluno a selecionar, na realidade, certos traços comuns às
coisas e fenômenos e, a partir de suas semelhanças, az organizar os conceitos gerais. Esse
ensino resulta somente na formação de um pensamento de tipo empírico que atua apenas
com dados sensoriais captados diretamente da realidade sensível. Para superar essa
didática, propõe um ensino que resulte no pensamento teórico o qual, com base em
abstrações e generalizações, busca as relações gerais do fenômeno, as contradições, das
relações e conexões entre os fenômenos, para captar a sua essência, de modo a ultrapassar
os limites da experiência sensorial imediata. Trata-se de um tipo de pensamento assentado
no método da reflexão dialética.
A necessidade de um ensino que avança para além do pensamento apenas empírico,
assim como a importância das ações mentais de abstração e generalização no
desenvolvimento do pensamento conceitual, já haviam sido amplamente identificadas por
Vigotski em A construção do pensamento e da linguagem, quando escrevia:
9
A tomada de consciência se baseia na generalização dos próprios processos psíquicos, que
redunda em sua apreensão. Nesse processo, manifesta-se em primeiro lugar o papel decisivo
do ensino. Os conceitos científicos (...) mediados por outros conceitos, com seu sistema
hierárquico de inter-relações, são o campo em que a tomada de consciência dos conceitos,
ou melhor, sua generalização e sua apreensão, parecem surgir antes de qualquer coisa (2000,
p.290). (...) A abstração e a generalização da minha ideia são diferentes por princípio da
abstração e da generalização dos objetos. (...) A generalização é um ato do pensamento
propriamente conceitual (semântico) que reflete a realidade de modo bastante diferente de
como esta é refletida nas sensações e nas percepções imediatas (Ib., p.372).
Coube a Davídov desenvolver os elementos de uma teoria do ensino que viesse a
distinguir os conceitos empíricos (as "representações gerais") dos conceitos teóricos,
propriamente científicos, mediante os instrumentos da lógica dialética. Para ele, o objetivo
geral do ensino é promover e ampliar as capacidades intelectuais dos alunos pela formação
do pensamento teórico-científico que é, em suma, a capacidade de pensar e atuar com
conceitos.
A abstração e a generalização de tipo substancial encontram sua expressão no conceito
teórico que serve de procedimento para deduzir os fenômenos particulares de sua base
universal. Graças a isso, o conteúdo do conceito teórico são os processos de
desenvolvimento dos sistemas totais. (...) O conceito constitui o procedimento e o meio de
reprodução mental de qualquer objeto como sistema total. Ter um conceito sobre tal objeto
significa dominar o procedimento geral de construção mental desse objeto (Davídov, 1988a,
p. 86).
Para Davídov, aprender teoricamente consiste em captar o princípio geral, as
relações internas de um conteúdo, o desenvolvimento histórico do conteúdo. É aprender a
fazer abstrações para formar uma célula dos conceitos-chave da matéria, para fazer
generalizações conceituais e aplicá-las a problemas específicos. Em outras palavras, o
conhecimento teórico-científico ou o pensamento teórico-científico refere-se à capacidade
de desenvolver uma relação principal geral que caracteriza um conteúdo e aplicar essa
relação para analisar outros problemas específicos desse conteúdo. Esse processo produz
um número de abstrações cuja finalidade é integrá-las ou sintetizá-las como conceitos.
O pensamento teórico vai se constituindo pelos princípios lógicos, pelos conceitos,
mediante os quais reorganiza os dados da percepção sensível. O conceito – enquanto modo
geral de acesso ao objeto – vai se formando nos processos investigativos e procedimentos
lógicos de pensamento que permitem a aproximação do objeto para constituí-lo como
objeto de conhecimento5. Se colocado nesse caminho, o aluno adquire um método teórico
geral, isto é, o conceito, cuja internalização possibilita a resolução de problemas concretos e
práticos.
O método teórico geral de cada ciência está expresso nos princípios lógicoinvestigativos
que lhe dão suporte, os quais, por sua vez, indicam o caminho didático para a
formação dos conceitos pelos alunos. É nesse sentido que, afirma Davidov, para
compreender um conceito é preciso reconstituir o modo como ele surgiu, o modo geral
como o objeto é construído. Isso implica em captar o caminho já percorrido pelo
pensamento científico, na investigação da ciência-matéria de ensino, como forma de
interiorização de conceitos e aquisição de métodos e estratégias cognitivas. Ele escreve:
O pensamento dos alunos no processo da atividade de aprendizagem se assemelha, de certa
forma, ao raciocínio dos cientistas que expõem os resultados de suas investigações por meio
de abstrações, generalizações e conceitos teóricos substantivos que exercem um papel no
processo de ascensão do abstrato ao concreto. (...) Os alunos não criam conceitos, imagens,
valores e normas da moralidade social; elas se apropriam deles no processo da atividade da
aprendizagem. Mas, ao realizar essa atividade, eles executam ações mentais semelhantes às
ações pelas quais estes produtos da cultura espiritual foram historicamente construídos
(Davidov, 1988b, pp. 20-21).

Nenhum comentário:

Postar um comentário

EXPRESSE O SEU PENSAMENTO AQUI.