CAMOCIM CEARÁ

Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra; Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos; Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia; Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus; Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus; Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus; Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa.(Mt.5)

domingo, 24 de julho de 2016

CARTAS ALIENÍGENAS II

 Estupefato, depois de ouvir toda aquela peroração licurguiana e opoliglota adeus do endiabrado camarada alienígena, sem ter tempo sequer de pestanejar, pensei rapidamente com um de meus botões, particularmente com um deles que teimava em desapregar-se desajeitadamente da camisa, deixando-me deveras chateado, o que seria doravante de nós?
   E agora o que vai ser de mim, Senhor ? Como darei conta disso,dessa missão tão árdua, importante e difícil, digna de constar nos anais históricos dos Doze Trabalhos de Hércules, ou maishodiernamente necessitando da astúcia e do destemor de umJames Bond, logo eu, um reles cabeça-chata, de coração mole e miolo fraco?
  E como vou ficar, meu Paizinho, sem ver o meu Fluzão jogar nos finais de semana da vida, time que brindou-me com tantas alegrias e que também fez-me chorar de tanta incontida paixão, ao longo de quase uma eternidade? E como sentirei falta das tardes de sábado, deste mundão de meu Deus, percorrendo, de bicicleta (o velho Escort quebrou de vez), os bares das redondezas, rezando contritamente para não ser atropelado, nem na ida e principalmente na volta, por um motorista mais etilizado que eu, bebendo até Kaiser, onde chego, desde que o dono do botequim permita-me camaradamente pendurar a conta no lugar mais alto de seu estabelecimento e não me venha, em hipótese alguma, ter a audácia de me cobrar por tal ninharia. É certo que demoro a honrar o prego (quem mandou não estudar e ganhar míseros trinta tostões), mas, como tenho um resquício inato de boa índole, acabo sempre pagando.  Dizem as más línguas que há pseudo-endinheirados, por aí, chamados farisaica e hipocritamente dedoutores, por muitos, que dão calotes etílicos inimagináveis. No meu bar preferido, O Timoneiro, tenho cadeira cativa (aliás, duas: uma para sentar-me e a outra para, não muito educadamente, pôr os inchados pés para um merecido descanso) e, lá, passo horas a fio enchendo a paciência do pacato Herialdo e jogando conversa fora, despreocupadamente, com o Fernando Pessoa (não o poeta português, evidentemente, mas o médico sobralense, bon vivant e dileto amigo) e o Maia, filosofando loucasbotequinicidades, enquanto os olhos passeiam livres pelos mangues, observando o grandioso espetáculo do pôr-do-sol – e o balé puro e acrobático das garças adejando sobre a água, tingindo tudo de cor. E como ficarei, brucutu, sem a mulherada messalínicaque faíscam doces e irresistíveis mistérios, e que nos levam quase à loucura, deixando-nos zonzos e intermináveis noites adentro insones? Só me resta, infelizmente, despedir-me antecipada e sofridamente delas: Adeus, quengaral! A d e u s!
...Enquanto punha meus combalidos e aflitos neurônios em ordem e tentava tomar uma decisão do que fazer para remediar um pouco aquela vexatória situação, de repente lembrei-me que nem tudo estava perdido. Restáva-nos, aleluia, um último e decisivo apelo: O Raimundinho. Isso mesmo! Como não tinha pensado nisso antes? Iria humildemente – e mais ligeiro que um raio - até àquele famoso filósofo e inventor camocinense contemporâneo,boss de uma requintada Oficina, profundo entendedor de assuntos esotéricos, pesquisador renomado de assuntos espaciais, consultor, nas horas mortas, da NASA, conhecedor profundo do humor das Bolsas de Valores, particularmente da Bolsa de Xangai, onde é um respeitado investidor, doutor honoris causa emNanometria, cientista pioneiro e desbravador do mundo virtual, pesquisador emérito do Ciberespaço e último baluarte camocinense vivo a falar fluentemente o mandarim e Uga Uga, esta última uma Língua esquisita e macarrônica lá das bandas doPacífico Sul aonde ele passara, no ano passado, suas merecidas e polpudas férias a bordo de seu iate particular. Como poderia eu,meu caro leitor, esquecê-lo? JAMAIS! Afinal, ele era uma verdadeira sumidade. E põe sumidade nisso...
Indubitavelmente na frieza de sua sapiência, refleti, entusiasmado, ele encontraria, para o bem da Humanidade, uma luminosa, cirúrgica e urgente solução para este enigmático “causo”.
Cambaleante e exausto após aquela longa, subversiva e perigosaargumentação comunistal (comunista espacial) e tentando, a todo custo, refazer-me do baque inicial, ordenando às células cerebrais que sobraram, coitadas, ligeiramente ilesas daquela volúpia verbal, que não se animassem muito com a polca nem com oxaxado, pois eu embora teimasse em meu íntimo concordar em parte com toda aquela retórica sideral ciceriana, não poderia espontaneamente endossá-la no todo, pois não gostaria, em absoluto, de ser minimamente excomungado nem ir parar na distinta e fria fogueira da Santa Inquisição, nem tampouco perder os pouquíssimos e diletos amigos de copo que tenho, ao mencionar, para eles, num boteco qualquer, esta pérola textual vinda do espaço. Certamente ririam na minha cara e, depois de examinarem cuidadosamente as entranhas de um bode, prontas para uma suculenta buchada a La FHCde consultarem detidamente os astros – e o meu Horóscopo – e de fazerem uma fezinha na Loteria, com a minha anuência em participar davaquinha, por-me-iam, de vez, numa recatada e confortável camisa de força, mandando-me direto para o Pinel, somente com o bilhete de ida.
  Tremendo dos pés à cabeça, de raiva e medo, afaguei mansamente o focinho do Scooby - e rumei para a cozinha. Estava com os nervos em frangalhos e, compulsivo como eu sou, toda aquela parvoíce dera-me uma fome de leão.
... Afinal, o estômago tem razões que a própria razão desconhece; e a mente - e a Palavra - tem poderes que os incautos e os dementes certamente desconhecem.

AVELAR SANTOS
CAMOCIM-CE



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